domingo, 13 de abril de 2008

Para os pais e educadores

Sexualidade infantil

Procurarei colocar para vocês alguns pontos importantes sobre sexualidade
infantil, baseando-me em minha prática clínica no consultório e com grupos
de mães, onde sempre aparecem dificuldades nesta área, seja através de pais
aflitos com seus filhos ou mesmo de adultos que trazem algumas questões de
ordem sexual que se originaram na infância e adolescência.


Já faz quase um século que Freud descreveu a sexualidade infantil,
escandalizando a sociedade daquela época. Desde então, muito se estudou e
falou sobre este assunto e, mais recentemente, com a inclusão da educação
sexual nas escolas, os pais estão se dando conta de que as antigas fórmulas
de "se livrar" do problema já não funcionam mais.


As crianças sofrem cada vez mais a influência da TV, de amigos, de
parentes, de babás e empregadas, muitas vezes recebendo noções erradas e
prejudiciais. Se nós, os pais, conseguirmos manter um canal aberto com
nossos filhos, poderemos discutir e intervir no que não nos parecer
correto.


Freqüentemente temos dúvidas sobre o que responder e até onde responder às
perguntas de nossos filhos. Queremos que nossos filhos sejam mais bem
preparados do que fomos, e que vivam sua sexualidade de forma mais
consciente, mas não sabemos como fazê-lo. É importante, primeiro, que nos
remetamos às nossas próprias dúvidas a este respeito quando éramos crianças
e a como teríamos gostado que tivesse sido nossa orientação. Desta forma
fica mais fácil entender a curiosidade de nossos filhos.


A sexualidade é uma coisa natural nos seres humanos, é uma função como
tantas outras. Freqüentemente estimulamos a evolução de nossos filhos em
vários aspectos (comer sozinhos, andar, ler...), mas com a sexualidade
somos cuidadosos e até mesmo preconceituosos. A criança fica com a sensação
de que faltam pedaços em seu corpo - elogiamos olhos, perninhas, cabelos e
outros, mas não falamos em seus órgãos sexuais.


Educação sexual é um processo de vida inteira: teremos tempo de melhorar o
que não conseguirmos explicar da forma como gostaríamos. Não é fácil para
pais que não foram educados desta forma em sua infância, mas o importante é
tentar melhorar a educação que possam oferecer a seus filhos. É bom saber
que, assumindo ou não a tarefa de orientá-los, conversando ou não,
estaremos dando educação sexual. Dependendo da atitude dos pais, as
crianças aprendem se sexo é bonito ou feio, certo ou errado, conversável ou
não.


Há até bem pouco tempo, dizia-se às crianças que elas teriam vindo trazidas
pela cegonha, ou que haviam sido compradas no hospital, ou ainda que teriam
brotado de uma flor, etc. Hoje, sabemos que não há necessidade de mentir às
crianças, mesmo porque elas são muito mais espertas, recebem informações de
várias fontes, e, portanto, estas "mentirinhas bobas" só servirão para nos
desacreditar ante os nossos filhos. Não pode ser considerado feio falar de
algo que é natural. O melhor a fazer é falar a verdade, introduzindo neste
momento palavras científicas ( pênis, vagina) para que possamos mostrar a
seriedade do assunto, evitando assim gozações, malícia, palavras de duplo
sentido.


Inicialmente, as dúvidas das crianças dizem respeito às diferenças
anatômicas entre os sexos e ao nascimento propriamente dito. Elas fazem
suas próprias teorias sexuais, hipóteses acerca de como os bebês vão parar
nas barrigas de suas mães. Aos poucos, estas teorias vão sendo questionadas
e surgem então as dúvidas a respeito de como são produzidos, enfim, os
bebês.


As respostas devem ser simples e claras, não havendo necessidade de
responder além do que lhe for perguntado. Dar respostas insuficientes faz
com que a criança pergunte mais e mais ou, ainda, que vá procurar as
respostas em outras fontes nem sempre confiáveis; por outro lado, dar
respostas extensas demais, do tipo "aula completa", também não é indicado,
é preciso buscar respostas de acordo com o que a criança for solicitando. É
importante ficar claro o que exatamente ela gostaria de saber, para que a
medida da resposta seja suficiente. A própria criança dará os sinais do
momento mais adequado de saber cada coisa.


Alguns de vocês podem estar se perguntando: "Será que tanta informação não
acabará por estimular na direção errada?", ou então pensar: "Eu não recebi
educação sexual alguma e estou muito bem". Contrariando preconceitos,
pesquisas mostram que crianças esclarecidas tendem a ser mais responsáveis
e a adiar o início de sua vida sexual (até porque sua curiosidade foi
devidamente saciada) até que amadureçam, possam fazer uso de
anticoncepcionais e escolher o parceiro certo.


As outras vantagens de conversar com os filhos sobre sexo desde as
primeiras dúvidas são: aumentar a intimidade e a afetividade entre si;
abrir caminhos para que se possa conversar sobre tudo; informar
corretamente, reduzindo as fantasias e a ansiedade delas decorrente; e, por
fim, prevenir futura gravidez indesejável e contaminações por doenças
sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a AIDS, entre outras.


Muito importante será nossa atitude ao responder às perguntas: o tom de
voz, a segurança nas informações, o fato de estarmos ou não à vontade, tudo
isto é captado pela criança também sob a forma de informação.


Há ainda a freqüente dúvida sobre quem deve falar com a criança. O ideal
será sempre que o casal possa fazer isto junto, pois oferecerão visões
diferentes e enriquecedoras, mas dependerá da identificação que a criança
tiver com os pais ou com um deles em especial naquela fase da vida, ou,
ainda, do temperamento de cada um. Pode ser mais fácil para um dos dois
tocar neste assunto, evitando o "jogo do empurra". Ajudará muito o casal
discutir claramente entre si antes de conversar com a criança.


É possível que vocês se perguntem: "Que palavras usar?". Não é necessário
ser especialista, mas acessível. À criança de menos de cinco anos, é
preciso ser mais claro e preciso, já as maiores podem compreender uma
informação mais elaborada. Não é preciso ser especialista para dar uma
informação suficientemente boa. O fato é que estaremos no caminho certo se
nossos filhos pensarem: "Vou perguntar a mamãe e papai que eles sempre me
respondem". Se por acaso não puderem responder no momento, esclareçam qual
é a dúvida e digam que responderão assim que puderem. Não finjam que
"esqueceram" de responder. Se sentirem vergonha, digam. Pais humanos
permitem uma maior identificação e autoconfiança.


O abuso sexual é um assunto que geralmente gera desconforto, mas é
fundamental que seja abordado nos dias de hoje, em que vemos os mais
assustadores casos de perversão. O abuso geralmente é cometido por adulto
pervertido ou criança mais velha que tenha sido abusada sexualmente. Para
proteger nossos filhos, é preciso transmitir a eles a noção de que sexo não
é feito entre criança e adulto ou criança mais velha, mas entre adulto e
adulto, e que o amor melhora tudo porque torna mais completo. Segundo
pesquisas, há alguns sinais mais claros de que houve abuso sexual com uma
criança, que são a hiperexcitação, os pedidos à mãe para que brinque com
seu órgão genital ou ao irmão ou coleguinha que coloque a boca em seu pênis
/ vagina , apatia generalizada, somados a sinais de medo. No caso de
perceber que a criança apresenta medo, é preciso garantir-lhe proteção e
não castigo. É preciso incluir sempre o amor ao passar estas informações às
crianças. Às vezes ficamos tímidos em demonstrar intimidade em casa, diante
de nossos filhos, e acabamos sem perceber por desvincular a noção de amor
da de sexo, o que, em tempos de revistas, programas e outros apelos sexuais
cada vez mais em evidência e à mão, acaba por contribuir para a banalização
do sexo. Aos poucos, vai se tornando possível esclarecer que pode haver
vida sexual sem gerar filhos.


Dormir na cama dos pais é absolutamente contra-indicado; é necessário
firmeza neste sentido. A cama dos pais pode ser o lugar perfeito para
gostosas brincadeiras antes de dormir, ou ainda quando a família acorda
pela manhã, mas não é recomendável que o filho tome o lugar de um dos pais
ausente à cama, pois erotiza a criança de forma inadequada: elas fazem
fantasias que não são benéficas ao desenvolvimento emocional. É preciso
também dar a noção de privacidade aos filhos. Se a criança alegar medo, é
preferível que um dos pais vá até a cama dela e a tranqüilize, voltando à
sua cama em seguida.


Sobre a nudez dos pais na frente da criança, o importante é buscar proceder
da maneira mais espontânea possível, permitindo à criança a percepção das
diferenças entre os sexos. É preciso usar o bom senso e a honestidade. A
curiosidade diminuirá com o tempo, a partir dos seis ou sete anos a criança
começará a ter pudor. O fundamental é ficar claro que a naturalidade
permite uma visão saudável da sexualidade.


O desenvolvimento da sexualidade humana começa com o contato físico, quando
os bebês são segurados e acariciados. Os órgãos do sentido tem íntima
relação com o centro sexual do cérebro e por isto a sucção ou o contato da
pele provocam excitação nas crianças. Isto é necessário e natural que
aconteça; não se deve privar o bebê de contatos corporais, o que não
prejudicará nem tampouco estimulará inadequadamente a criança. A
auto-exploração ou masturbação é outra experiência fundamental para a
sexualidade saudável. A criança cedo aprende a brincar e a tirar prazer de
seu próprio corpo, e isto faz parte de seu desenvolvimento tanto quanto
engatinhar, andar ou falar. A experiência da auto-exploração só trará
prejuízos se for punida ou se a criança sentir-se culpada por esta
atividade natural. Cabe aos pais ignorar ou manifestar compreender o prazer
que ela tira daquela experiência. Esta é apenas mais uma fase, e como tal
tende a dar lugar a outras. Se a criança fizer isto na sua frente ou na de
outras pessoas e você ache inadequado, diga que entende ser gostoso, mas
que aquele não é o local certo, ensinando-lhe a noção de privacidade. É
preciso ficar atento se a criança se masturba em público ou excessivamente.
Ela pode estar se utilizando deste recurso para chamar a atenção dos pais
para algum problema, que pode não ter nenhuma conotação sexual. Caso não
consigam compreender sozinhos, peçam a ajuda de um profissional.


Aquela antiga história de separar meninos e meninas em grupos diferentes no
que se refere à sexualidade, estereotipando os papéis, também traz sérias
implicações. Como se não bastasse o fato de negar o igual direito ao prazer
no futuro sexual, é preciso saber que meninas passivas, educadas para a
submissão, se tornam presas fáceis de abusadores sexuais; por sua vez, os
meninos precisam ter espaço para demonstrar suas emoções, o que os prepara
para ser pais afetivos.


Os jogos sexuais infantis têm para a criança um sentido diferente daquele
dado pelo adulto, e jamais deve acontecer com crianças de idades
diferentes, para que não haja coerção.


O aprendizado de palavrões é um fato comum entre as crianças a partir de
quatro ou cinco anos. Em geral, repetem o que percebem ser proibido, embora
não tenham a mínima idéia de seu significado. Em geral, esclarecer seu
significado ajuda a criança a deixá-lo de lado e, mais uma vez, a aproxima
de seus pais com quem poderão sempre contar para esclarecer suas dúvidas.
Ensinar a criança que não é preciso imitar comportamentos inadequados desde
pequena é extremamente importante, até para que futuramente ela não se
sinta tentada, por coerção de grupos, a mostrar comportamentos que não
sejam de sua livre e espontânea vontade, como fazer uso de cigarros, drogas
e outros.


Os meios de comunicação, que nos bombardeiam com programas de baixa
qualidade, músicas erotizantes e danças de igual quilate, são hoje um
grande impasse na educação de nossos filhos. Como evitar que a criança seja
vítima desta superexposição inadequada do sexo e que assim se sexualize
precocemente? O mais importante, atualmente, é que os pais tenham claro o
tipo de orientação que desejam para seus filhos, e que lhes ofereçam outras
opções de entretenimento. Buscar programas interessantes que estejam de
acordo com a sua faixa etária, comprar discos infantis e roupas que estejam
de acordo com sua idade são medidas que, se não evitam de todo, uma vez que
a criança vive entre outras, ajudam a formar uma educação sexual mais
adequada, garantindo-lhes no mínimo maior proteção. É preciso ainda que os
pais fiquem atentos às mensagens contraditórias: estimular excessivamente
as crianças no sentido do amadurecimento precoce, "queimando etapas", pode
ser perigoso, pois elas podem perder o interesse por brincadeiras infantis,
passando a imitar comportamentos adequados a "mocinhas e rapazinhos", o que
inclui invariavelmente seus aspectos sexuais.


Ao final desta exposição, talvez vocês percebam que poderiam ter feito
melhor pela educação sexual de seus filhos, ou evitado algumas bobagens.
Não devemos nos culpar por isto. Não nascemos sabendo e somos frutos da
educação que tivemos. Assim como nossos pais, certamente fazemos o melhor
que somos capazes, e será muito bom que possamos ter a oportunidade de
repensar algumas situações e atitudes.


Fernanda Roche

Psicóloga clínica
CRP 05/17857

Bibliografia:
Heglen, Sten. Pedro e Carolina - Imago editora
Suplicy, Marta. Papai, mamãe e eu -FTD
Maldonado, Maria Teresa. Comunicação entre pais e filhos - Vozes editora.
Pikunas, J. Desenvolvimento humano - Mc Graw Hill
Winnicott, D.W. A criança e seu mundo - Zahar editores

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