Fatima Dannemann
A era uma garota de 20 anos. Um dia, ao ver o irmão menor correndo risco de vida, jogou-se com tudo numa pista de alta velocidade para salva-lo. Foi atropelada, sofreu fratura na perna, ficou muitos meses engessada tendo que interromper seu curso na Faculdade de Direito de uma capital brasileira. Linda e comovente história. Poderia estar num romance, numa novela de televisão, num filme, ou mesmo numa revista do tipo Claudia ou Marie Claire. Mas, aconteceu via e-mail, icq, listas de discussão, envolveu pessoas inocentes e incautas e só não durou para sempre porque descobriu-se que nada daquilo era verdade. A garota A. na verdade se chamava B, tinha mais de 40 anos, distúrbios mentais e usava a Internet para viver suas fantasias. Como muitas outras pessoas também o fazem.
De falsos bilhetes de suicídio a pessoas que afirmam estarem internadas em hospitais com tumores inoperáveis e em estado terminal, acaba dando de tudo nesse sanatório geral que se chama Internet, cujo vício, em alguns paises, já está merecendo o mesmo tratamento de choque dedicado a outros vícios e manias mais prosaicos como o alcoolismo ou as drogas. Ah, antes que me perguntem: porque falar de virtualidades justamente num site da Internet? Bom, não vejo melhor lugar para isso. Acredito que as pessoas devam ler e ver que se no real nem tudo é o que parece ser, na net as fantasias e desvios da verdade são ainda mais exarcebados por conta da “invisibilidade” que o computador permite.
O que deveria ser um meio de informação, um meio de interação entre pessoas fisicamente distantes, um meio de diversão, se torna muitas vezes palco para que neuróticos e nem tanto soltem suas fantasias. E acaba dando de tudo: falsos bilhetes de suicídio, fantasiosos portadores de câncer no cérebro que usam o PC do hospital para formatar lindos e-mails, homens casados e pais de família soltando o lado sedutor e se passando por boyzinhos de 20 e poucos, e muitos outros casos. Alguns, admito, não passam de fantasias ingênuas, porém outros extrapolam os limites do bom senso. Em algumas dessas histórias, tive alguma participação, em outras fiquei sabendo apenas através de net-fofocas via e-mail ou icq, e em todos os momentos fui condenada justamente por achar certas histórias fantasiosas demais para ser verdade. Como a da moça da perna quebrada, que mesmo sendo estudante de direito se “enrolou” quando fiz algumas perguntas sobre questões jurídicas, ah, e que não usava laptop.
A principal desculpa – ouvi de um amigo de chat no icq – é que “podemos contar monte de mentiras, ninguém vai descobrir nunca”. Quando eu solto minha descrição dizendo que sou “cheinha”, míope de usar óculos fundo de garrafa e tenho uma potoca no meio da testa, o povo ri achando que é mentira e quando envio a foto (de óculos, evidenciando os alguns quilos acima do peso e a tal potoca), nego ainda diz: “mas você é bonita”, omitem tudo o que eu gostaria de ouvir: “puxa, então a potoca e os óculos eram verdade”.
Verdade, entre os net-addicted é palavra que não existe. Extravazar as fantasias, formatar e-mails maravilhosos, caprichando muito mais no visual e na trilha sonora do que no texto, que a maioria das pessoas nem lê e não repara no nome maldito do Autor Desconhecido no final da mensagem, é tudo o que importa. Ah, e repassar tudo o que chega. Repasses, especialmente de determinados internautas, revela “status”, um flerte com os “poderosos” da internet, mesmo que na teoria e na prática todos os que acessam a rede, independente do tipo de conexão e do provedor que assinam, estão em pé de igualdade. Isso deveria ser o forte de internet: a democracia, o ser humano como igual, uma relação de semelhante para semelhante. Mas, nem tudo está perdido. Pelo menos na Bahia, já se acena com um movimento pela democracia na Internet. Quem sabe, esse movimento toma vulto, cresce e um dia, A se mostre como A mesmo, e as mentiras e a falsa “aura” de poder e glória se esvaziem e as pessoas passem a apenas enxergar a beleza de se ser humano sem ter medo de ser feliz
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